Serras Portuguesas, Junho 2020 (1ª parte)


Aproveitei que a segunda semana de Junho tinha dois feriados, seria uma óptima oportunidade para pensar numa viagem pelo norte de Portugal.
Inicialmente era para fazer a viagem sozinho, com o lema: " Eu, a mota e uma tenda"
Comecei a estudar os percursos, o que queria visitar e rapidamente o esboço da viagem estava feito, só faltava chegar o dia de partir à aventura. 
Entretanto dois amigos, numa conversa de fim de dia disseram que  gostariam muito de me acompanhar nesta aventura, um por uma razão pessoal, outro porque nunca tinha feito uma viagem com este contexto ou seja, acampar e fazermos nós as nossas refeições. 
Finalmente chegou o dia. Mota carregada com todo o material necessário e vamos embora que se faz tarde, só vos digo que estava bem pesada, ela já não é muito leve, todas as malas bem cheias e ainda o que levava fora delas, ufff ... 


Dia 1



O ponto de partida seria no Campo Grande em Lisboa, à hora marcada lá estávamos todos para partirmos em seis dias de aventura. Tínhamos como primeiro objectivo ir prestar homenagem ao último grande herói nacional, no meu ponto de vista, o Tenente Coronel Salgueiro Maia. Rumámos a Castelo de Vide sua terra natal e local onde está sepultado em campa rasa como foi sua vontade. 
A temperatura estava agradável para se viajar de mota, como não tínhamos ninguém à nossa espera, havia que desfrutar da viagem e dos locais por onde passávamos. 






Já estávamos em pleno Alentejo, a paisagem mostrava isso, as estradas, longas retas a perder de vista, muito diferente do que iríamos apanhar no segundo dia mas até lá o melhor é apreciar a planície alentejana e as suas vilas e aldeias com gente muito pacata e sempre bem disposta. Em Alpalhão fizemos uma segunda paragem num café e na esplanada estava um senhor muito divertido e lá ia perguntando para onde íamos e de onde éramos, muito bom. 




E lá chagámos à bonita vila de Castelo de Vide, a "Sintra do Alentejo" como muita gente a chama. Fomos directos ao cemitério para cumprirmos o primeiro objectivo desta viagem, a homenagem ao grande Capitão Salgueiro Maia.




Foi Salgueiro Maia que na madrugada de 25 de Abril de 1974, durante a parada da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, proferiu o célebre discurso: "Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados socialistas, os estados capitalistas e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos! De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto. Quem for voluntário, sai e forma. Quem não quiser sair, fica aqui!" Todos os 240 homens que ouviram estas palavras, ditas de forma serena mas firme, tão característica do Capitão Salgueiro Maia, formaram de imediato à sua frente. Seguiram depois numa coluna de blindados que, saindo de Santarém, montou cerco aos ministérios do Terreiro do Paço forçando, e já no final da tarde, seguindo as ordens de Otelo Saraiva de Carvalho no Posto de Comando na Pontinha, a rendição de Marcelo Caetano, que entregou a pasta do governo ao presidente da república da altura  o General António de Spínula. Depois de feita a revolução, voltaria para a Escola prática de Cavalaria continuando nas suas funções de capitão do exercito, recusando qualquer cargo político pós 25 de Abril. 
A 3 de Abril de 1992 viria a falecer vítima de doença cancerosa.






Saímos do cemitério e demos uma volta pelo centro de Castelo de Vide, não tínhamos tempo de visitar a vila e toda a sua zona histórica e a judiaria, eu estive cá em 2014 e tive oportunidade de visitar mas não me importava nada de o fazer novamente, ficará para uma próxima oportunidade.
Na primeira noite íamos acampar no Camping Beirão-Marvão Alentejo, que sossego. Os donos, um casal holandês, uma simpatia tanto um como outro. O parque não é muito grande mas com umas condições óptimas para quem gosta da natureza e com uma vista sobre a serra de São Mamede deslumbrante. 





Era hora de descansarmos, ao longe ouvia-se as rãs e as corujas. No céu as estrelas reinavam e amanhã tínhamos a serra da Estrela para conquistar.




DIA 2

O dia começou de madrugada, alguém às 4:30 da manhã lembrou-se de telefonar-me, com amigos destes quem precisa de inimigos. Os pássaros começava numa enorme sinfonia de cantares, ao longe ouvia-se os galos a cantar, os burros a zurrar iam pedindo ao tratador comida para o pequeno almoço, nós tínhamos acampamento para levantar e o pequeno almoço à nossa espera feito pela senhora holandesa. Que maravilha de pequeno almoço. 




A primeira paragem seria a cerca de 20 kms dali, ia voltar ao Menir da Meada. Já lá tinha estado por duas vezes mas já que estava tão perto decidi lá voltar. A estrada para lá chegarmos leva-nos entre rochas e planícies, por vezes estreita e com as vedações dos terrenos bem encostados à estrada, um belo percurso matinal com o sol ainda baixo. Cheguei ao local e reparei que das outras vezes estava mais bem tratado, a erva e mato seco deixava a sensação de local abandonado, não gostei, mas lá estava ele, imponente e firme, o Menir da Meada.  




O Menir da Meada é a mais imponente construção megalítica de toda a linha de contacto geológico entre granitos e xistos da serra de São Mamede. Descoberto em 1965, fracturado em duas partes, foi reerguido nos anos 90 adquirindo um lugar de destaque no megalismo peninsular como o mais alto e expressivo monumento do tipo. Dos seus 7,15m  de altura, eleva-se do solo cerca de 6m, assumindo uma figura cilindriforme de aspecto fálico, acentuada pela nitidez do talhe e pela presença de um ressalto na pedra que se assemelha a uma glande. É vestígio ímpar de representação material do mito, do símbolo da fertilidade e da crença no período Neocalcolítico, enunciando a prosperidade das comunidades pré-históricas que aqui se fixaram.



E lá seguimos nós pelo Alto Alentejo e deixando a serra de São Mamede para trás, ainda tínhamos a serra da Gardunha e a da Estrela para conquistar. Na passagem do Alto Alentejo para a Beira Baixa temos um local único que aperta de tal maneira o rio Tejo que quase podemos saltar de uma margem para outra. "Não querias mais nada ..."
As Portas do Rodão, perto de Vila Velha de Rodão, é lindo o que se vê da ponte que une as duas margens do rio. 




O grande lago e as grandes profundidades imediatamente a jusante das Portas testemunham a imponência da queda de água que aqui terá existido antes de se atingir a actual fase de equilíbrio.No topo da "porta" norte, que é facilmente acessível por estrada, situa-se o pequeno castelo do rei Wamba.  Deste local vislumbra-se um vasto panorama sobre o vale do Tejo a jusante das Portas, com o Conhal do Arneiro, na margem esquerda, e o povoado paleolítico de Vilas Ruivas, na margem direita. O melhor que tínhamos a fazer era ir até lá e testemunhar toda esta beleza, e chegados lá ... Uau é lindo ...




Envolvida pelo rio Tejo, a Ilha das Virtudes, é o resultado da exploração de inertes para a Barragem de Cedillo que depois conjugado com a subida do nível das águas do rio levou à formação da “ilha” artificial ligada à margem. No seguimento desta “ilha” encontra-se um fresco amial onde existe uma pequena nascente de água termal que em tempos foi bastante apreciada para o tratamento de doenças de pele e do sistema digestivo, a Fonte das Virtudes.




Lá continuámos a nossa viagem para norte, por estradas nacionais com a beleza que o nosso pais tem, é tão bom viajar por estas estradas onde há sempre um cantinho por descobrir. Parámos em Alcains para comprar um queijo directamente ao produtor e fomos até Tinalhas ver a estátua do nosso padroeiro, São Rafael. 




Num dos lados está uma bonita homenagem ao "nosso Padre Motard", o padre José Fernando que nos deixou cedo mas para sempre a sua frase será recordada: " Boas curvas se Deus quiser, olhem que até 100 Deus protege-nos, a mais de 100 Deus pode acolher-nos"




Aproveitando que estávamos em terra de gente boa, fomos até uma esplanada no centro da vila de Tinalhas petiscar o belo queijo de Alcains e beber algo fresco porque o calor estava a começar apertar.




Próximo destino, Sortelha. Vamos embora antes que se faça tarde, lá iria juntar-se a nós o amigo Luís de Matos para passar o resto do dia connosco. 
Sortelha é uma aldeia medieval que pertence ao concelho do Sabugal, a muralha tem 4 portas, normalmente entramos pela porta Falsa ou porta Árabe, ao atravessarmos a dita porta passamos para outra dimensão, onde nos leva para as histórias de reis, rainhas e de valentes cavaleiros que terão andado por aquelas ruas outrora.
 





O castelo construído nos inícios do século XIII, era o último refugio da população em caso de ataque, pelo que se erguia num ponto alto e de fácil defesa. No seu interior, encontrava-se a torre de menagem , à qual se acedia por uma escada de madeira, que podia ser retirada para dificultar a entrada de atacantes. No solo do recinto interior está a cisterna que fornecia a água necessária em caso de cerco à vila. Sobra a porta de entrada do castelo vemos uma varanda com matacães, que permitia alvejar de cima o inimigo que se aproximava. Onde vi a primeira vez este sistema de defesa foi no castelo de Predjama na Eslovénia que foi durante muito tempo um castelo intransponível, será que vieram cá ter lições de defesa ??  https://voandonaestrada.blogspot.com/p/croacia-2016-cerklje-lago-bled-grutas.html  No interior do recinto e junto à entrada, existem duas pequenas portas, chamadas de Portas da Traição, colocadas num ponto pouco visível , permitiam a chegada de reforços de forma discreta ou, em último caso, a fuga dos moradores.


https://www.youtube.com/watch?v=EjgNTtq7yB4&vl=pt-PT





Deixei Sortelha com a certeza que lá voltaria pois tem muito recanto e história para descobrir, estas vilas / aldeias medievais fazem-nos voar para contos e lendas. E por estradas e estradinhas lá nos fomos aproximando da mais alta serra de Portugal continental, a serra da Estrela. Entrámos pela Covilhã e começamos e subir em direcção às Penhas da Saúde, a temperatura sentia-se a descer e em menos de nada estávamos junto ao centro de limpeza de neves. O acesso à Torre estava cortado, não sei a razão mas talvez por motivo de obras ou devido à pandemia para não haver grandes aglomerados de gente num sítio. Descemos em direção ao Vale Glaciar e fomos conhecer o local onde o rio Zêzere ganha vida. Antes de chegarmos à nascente do Zêzere ainda parei num dos miradouros que há ao longo da estrada para ver toda a beleza do vale Glaciar que vai até Manteigas. 






 É linda toda esta imensidão que a nossa vista consegue alcançar, e lá continuámos a descer até ao Covão d´Ametade, local onde nasce um dos maiores rios portugueses.


Nascente do rio Zêzere 
 




Que local maravilhoso, todo o conjunto de cheiros sons é de uma paz e ao mesmo tempo imensidão inacreditável. 
O dia já ia longo e ainda tínhamos o Poço do Inferno para visitar, vamos embora antes que se faça tarde. E continuamos a descida pelo vale Glaciar, não consigo descrever tudo o que via, por mais vezes que por ali passe, há sempre coisas novas, algo que nunca tinha reparado, enfim, muita beleza junta. A estrada até ao Poço do Inferno não é lá grande coisa, estreita e em mau estado mas com calma lá chegámos e o Poço lá estava no sítio do costume à nossa espera, local mágico este também pela sua enorme beleza natural e consegue estar intacto e natural até aos dias de hoje. 






Estava na hora de ir procurar sítio para acampar e tratar do jantar, um dia longo cansativo mas cheio de boa disposição e companheirismo.   

 

Havia que montar acampamento, prepara o jantar e no fim recordar o que fizemos neste dia muito bem preenchido. A aventura continuava no dia seguinte e novamente a três, o Luís deixaria-nos de manhã e seguia para sul, nós os três continuaríamos para norte à conquista de mais serras portuguesas. 





Dia 3


Despertámos com o som do riacho que passava relativamente perto do local onde estávamos acampados, os pássaros entoavam os seus primeiros cânticos matinais, era hora de sair das tendas e começar arrumar tudo pois tínhamos o dia, com mais kms desta aventura, pela frente.




E lá saímos de Vale do Beijames e na primeira vila que encontrámos um café aberto, parámos para comer qualquer coisa e nos despedirmos do Luís de Matos, ele mais à frente apanhava a estrada em direcção à Covilhã e nós a da Guarda. Na cidade mais alta de Portugal, seguimos pela N221 em direcção a Barca D´Alva, que estrada, bom piso e uma paisagem linda, está tão na moda as estradas nacionais e  nesta ninguém fala, foi uma agradável surpresa para mim. Em Barca D´Alva parámos para beber um café e contemplar o rio Douro e do outro lado da margem a nossa vizinha Espanha. 





Enquanto bebíamos o nosso café, a chuva começava aparecer, o céu já prometia algum tempo, não era surpresa para nós, o melhor que tínhamos a fazer era vestir os fatos de chuva para evitar molhas maiores. 
E continuámos pela maravilhosa N221 em direcção ao miradouro do Penedo Durão, e deliciar-nos com os profundos vales que por ali o rio Douro tem que atravessar. 






A paisagem  é imensa daquele sítio, o rio lá no fundo a cortar os enormes vales e tudo isto  faz-nos pensar como é possível um rio ter encontrado aquele caminho por aqueles vales, mistérios da natureza. De regresso à nossa nova paixão a N221, seguimos nós também em direcção a Freixo de Espada à Cinta. 
Entrando nesta vila, logo passamos atravessar um mar de ruas estreitas e casas modestas, com flores nas portas, e grande parte delas com janelas manuelinas, daí as suas gentes reclamarem como sendo a vila mais manuelina de Portugal. Nesta vila nasceu o navegador português Jorge Álvares. Este navegador foi o primeiro explorador europeu a chegar à China por mar, em 2013 comemorou-se os 500 anos da sua viagem. Junto da sua estátua temos a igreja matriz e um pouco mais acima o famoso Freixo de espada à cinta, o qual dá o nome à terra. 




Este Freixo tem uma idade superior a 550 anos e é muito acarinhado pela população. Está bem ligado à vila devido ao nome, à história, longevidade e referência nas lendas. Dizem que terá ganho nome devido a um fidalgo que o escolheu para descansar à sua sombra, tendo nele pendurado a sua arma. Só não se sabe que fidalgo foi, se um nobre visigodo, se outro português ou ainda, também se fala na hipótese de ter sido o próprio rei D. Dinis que por ali passou no encalço do seu filho Afonso Sanches. 
Pouco metros mais acima está a Torre do Galo, ou Torre de Menagem, é o que resta do antigo castelo deitado abaixo na década de 1830, perdida então a sua função de defensiva. Lamenta-se muita na vila a demolição daquele que foi um dos primeiros castelos transmontanos. A sua torre heptagonal (Torre do Galo), é visitável, não a podemos visitar pois estava fechada para hora de almoço. Dessa torre a vista vale a pena, acreditem ...





Despedimo-nos de Freixo de Espada à Cinta e voltámos à nossa grande surpresa do dia, a incrível estrada N221, próxima paragem seria a capital do Mirandês. 



A primeira parte desta aventura fica por aqui, na segunda parte continuarei a contar as aventuras do dia 3 e dos restantes dias. 

Continua ...




"Faz Parte da Aventura"













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